Na minha infância, assistia uma série em que o personagem principal dizia repetidamente: Eu não sou um número. Aquilo ficou na minha cabeça até hoje. Assim como a influência das obras de George Orwell e de Aldous Huxley nos impressiona a todos nós, que estudamos os fenômenos da massificação, do Kitsch do apagamento cultural e da programação neurolinguística adotada pelas grandes corporações do Capitalismo para bestificar os seres humanos.

A vigília do “grande irmão”, que gerou o “big brother” em vários países, permaneceu por mais tempo naquelas nações com acesso às tecnologias de ponta e baixo grau de consciência crítica da população. No Brasil continua sendo o programa predileto das mentes atrofiadas pelo processo da bestialização. Sei que grande parte dos leitores irá se afastar destas reflexões porque, por algum motivo, praticam parte do seu tempo ao processo, assistem e até comentam as fofocas, o mau-caratismo e as pobrediabrices de um elenco escolhido a dedo para representar essa geração do tiktokers. E nós, que criticávamos novelas mexicanas, filmes de baixo orçamento ou de impregnação ideológica de supremacias racistas ou coisas que tais, estamos nas redes, tentando descontruir essa panaceia que Guy Débord definiu como sociedade do espetáculo.

Cabem inúmeras perguntas sobre como e quando começou tudo isso. Da Alemanha talvez venham algumas respostas, afinal, Marx, Goethe, Nietzsche, Benjamin, Adorno… provocaram uma cisão radical com as religiões que operam na banalização da fé, do medo e de uma recompensa ilusória de continuidade ao lado de um deus. Não precisa gastar muitos neurônios para ver como essa ideia de recompensa de um paraíso (que já foi nosso) nos foi tirado pelo criador do paraíso por causa de um fruto proibido (tá vendo, Rita Lee) e da sedução de uma cobra que atentou uma mulher a fazer seu marido comer o fruto do dono das macieiras do paraíso. Logo me vem à mente o senhor de escravos, proibindo o consumo de mangas e de leite, punindo quem se atrevesse a desobedecer. Portanto, os poetas, os pensadores e até os rebeldes sem causa duvidam de certas coisas, porque a mentalidade que utilizam foi forjada na consciência crítica das leituras e das leituras do mundo – como não lembrar Paulo Freire?!

Às vezes, penso que o castigo para nós é estudar, aprender e questionar as obviedades que transformam pessoas em robôs ou em autômatos sem qualquer desconfiança, porque não estudam seus “livros
sagrados” e creem a partir da condução de algum líder religioso, muitos deles, completamente analfabetos de História, mas artífices na arte de enganar. Parece que a situação vai piorar.

E por que penso assim? Ora, basta ver na enxurrada de candidatos a prefeito e a vereadores sem quaisquer princípios ético e moral para exercerem cargos de vigia do vento se candidatando a gerir cidades pelo país inteiro. Muitos eleitos, outros quase eleitos, arrebataram milhares de votos em suas cidades e representam parte significativa do povo. E esse contingente de políticos não foi criado em laboratório, não emergiu da terra como erva daninha, não. Esses políticos nasceram no seio do povo e representam os bestificados pelo sistema capitalista que exerce uma corrosão de todos os
princípios humanos da boa convivência e fraternidade, para em seu lugar ofertar o consumo e a satisfação efêmera de uma ilusão de pertencimento a um mundo globalizado. O controle das mentes e dos corpos continua sendo o meio mais eficaz de colonizar e de segregar povos pelo mundo. Os sionistas massacram os palestinos com a falsa ideia de que são o “povo eleito de Deus”. Se o povo de Deus é capaz de matar milhões de seres humanos em nome de Deus. Por que o desafeto de Deus, sua cria rebelada, não é invocado para matar inocentes. Nunca vi ou ouvi colonizadores pregarem a morte em nome de Satanás.

Bem, meus neurônios querem ser oxigenados com Literatura e Filosofia, portanto, invoco os poderes dos ermitões, dos misantropos e dos esquisitos que saíram do senso comum para dizer que os massificados pelas religiões que alimentam o ódio e tudo que é capaz de gerar fiquem com seus ídolos Melões Moscas da vida. 

Em tempo, você, que me lê, tem todo direito de discordar e de continuar adormecido. Eu vou navegar “num barco chamado poesia, remando com remos de utopia” meu evanescente navegar, como me disse um dia o poeta Artur Eduardo Benevides, quando se referiu ao poema “Um barco chamado poesia”. A poesia nos salva de nós mesmos, porque já nos salvou dos que estão despoetizados. Eu não sou um número.

 

  • Carlos Gildemar Pontes 
    Escritor. Doutor em Letras.
    Prof. de Literatura do Curso de Letras UFCG
    Coordenador do CPLEDIM – UFCG/CNPQ
    Da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL