Leonardo Boff

A ofensiva conservadora atualmente em curso no Brasil faz parte de um processo mundial de rearticulação da direita e representa um perigo real para a democracia e os direitos. No caso brasileiro, essa rearticulação conservadora também é uma reação das classes dominantes que não se conformam com a centralidade que a agenda social adquiriu nos últimos anos e com a ascensão social de cerca de 40 milhões de pessoas. Um dos principais expoentes dessa ofensiva, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é um bandido político que não respeita a Constituição e tem como objetivo, no final de seu mandato, propor a instauração do parlamentarismo e virar primeiro-ministro. A avaliação é do teólogo e escritor Leonardo Boff, que esteve em Porto Alegre neste sábado, para ministrar uma aula pública sobre direitos humanos.

Intitulada “Expressões sobre Direitos Humanos: Mais Amor, Mais Democracia”, a aula pública reuniu centenas de pessoas no Parque da Redenção, na tarde fria de sábado. Após a aula, Leonardo Boff conversou com o Sul21, no Hotel Everest, sobre a atual conjuntura política do país e defendeu que, diante da ofensiva conservadora no curso, é preciso travar, em primeiro lugar, uma batalha ideológica sobre que tipo de Brasil queremos: “um Brasil como um agregado subalterno de um projeto imperial, ou um Brasil que tem condições de ter um projeto nacional sustentável próprio. Temos um grande embate a travar em torno dessa ideia. Acho que esse será também o tema central das próximas eleições”, diz Boff. A seguir, um resumo dos principais momentos da conversa de Leonardo Boff com o Sul21:

Ofensiva conservadora em nível mundial

“Vejo esse quadro com preocupação, pois é um quadro sistêmico. Ocorre também nos Estados Unidos, na Europa, em toda a América Latina. Acabo de vir de um congresso que contou com a presença de representantes das esquerdas de toda a América Latina e todos foram unânimes em dizer que essa etapa das democracias novas, de cunho popular e republicano, que surgiram depois das ditaduras, estão recebendo os impactos dessa ofensiva da direta, organizada e financiada também a partir do Pentágono. Essa direita está se organizando em nível mundial. Isso é perigoso. A história já mostrou que, depois que a direita se organiza, surgem fenômenos de caráter fascista e nazista, surgem regimes autoritários que buscam impor ordem e disciplina”.

“Eu não tenho muito medo no caso do Brasil. Acho que aqui nós conseguimos uma ampla base social de movimentos organizados e um núcleo de pensamento analítico político que resiste vigorosamente, mas enfrenta a resistência da grande mídia que, de forma sistemática sustenta teses conservadoras e reacionárias, em consonância com a estratégia traçada pelo Pentágono em nível mundial. O objetivo central dessa estratégia é: um mundo, um império. Todos têm que se alinhar aos ditames desse império, que não tolera a existência de alguma força capaz de enfrentá-lo. O grande medo dos Estados Unidos é com a China, que está cercada por três grandes porta-aviões, cada um deles com um poder de fogo equivalente ao utilizado em toda a Segunda Guerra Mundial, com ogivas nucleares e submarinos atômicos de apoio, entre outras coisas. Isso nos mete medo, pois pode levar a um enfrentamento, senão global, de guerras regionais, com grande potencial de devastação”.

“No que nos diz respeito mais direito mais diretamente o grande problema é que os Estados Unidos não toleram a existência de uma grande nação no Atlântico Sul, com soberania e um projeto autônomo de desenvolvimento, que às vezes pode ser conflitivo com os interesses de Washington. O Brasil está mantendo essa atitude soberana e isso causa preocupação a eles, pois a economia futura será baseada naqueles países que têm abundância de bens e serviços naturais, como água, sementes, produção de alimentos, energias renováveis. Neste contexto, o Brasil aparece como uma potência primordial, pois tem uma grande riqueza desses bens e serviços essenciais para toda a humanidade”.

A agenda conservadora no Congresso Nacional

“De modo geral, a sociedade brasileira é conservadora, mas nos últimos anos, especialmente com a resistência à ditadura militar e com o retorno à democracia, se criou um sentido de democracia participaria e republicana, onde o social ganha centralidade e não simplesmente o Estado e o desenvolvimento material e econômico. Incluir aqueles que estiveram sempre excluídos passou a ser um tema central. Isso foi um elemento de progresso e avanço que assustou as classes privilegiadas que perceberam que esses 40 milhões de pessoas estão ocupando um espaço que era exclusivo deles e começam a ameaçar seus privilégios. Os representantes dessas classes não querem que o Estado se defina por políticas sociais, mas sim pelas políticas que, historicamente, sempre beneficiaram as classes dominantes.

Eles conseguiram uma articulação com grandes empresas, com grupos do agronegócio e outros setores para construir uma representação parlamentar. O que vemos hoje é que os sindicatos praticamente não estão representados, os indígenas e negros não estão, o pensamento de esquerda não está. O que temos, na maioria dos casos, são deputados medíocres que representam interesses de grandes corporações nacionais e internacionais, que tem pouca ou nenhuma ligação com um projeto de nação”.

“Diante desse quadro, nós precisamos, em primeiro lugar, travar uma batalha ideológica e debater que tipo de Brasil nós queremos, um Brasil como um agregado subalterno de um projeto imperial, ou um Brasil que tem condições de ter um projeto nacional sustentável próprio. Temos um grande embate a travar em torno dessa ideia. Acho que esse será também o tema central das próximas eleições. O povo não quer perder aquilo que conquistou de benefícios sociais nestes últimos doze anos e quer ampliá-los. Essas conquistas são de Estado, não são mais de governos. Esse embate será muito difícil, mas acho que há um equilíbrio de forças que vai permitir, pelo menos, governos de centro-esquerda, não totalmente de esquerda, pois creio que não há condições para isso hoje”.

Sobre Eduardo Cunha, presidente da Câmara

“Em primeiro ligar, acho que é um bandido político. Sempre foi conhecido assim no Rio. Um jornalista do Globo fala dele como “a coisa má”. É um homem extremamente sedutor, não respeita lei nenhuma, tem dezenas de processos de corrupção contra ele, mas consegue manipular de tal maneira os poderes que sempre consegue prolongar sua vida. É alguém que não tem nenhum respeito à Constituição e atropela normas do Congresso como bem entende. Creio que a pretensão dele, no final dessa legislatura, é propor o parlamentarismo para ele ser o primeiro ministro, já que não poderá ser presidente pela via eleitoral. É uma pessoa extremamente ambiciosa, manipuladora, inescrupulosa, sem qualquer sentido ético e um fundamentalista religioso conservador e de direita”.

O crescimento do fundamentalismo religioso

“Acho que essas bancadas evangélicas fundamentalistas que se espalham pelo país são formações em si legítimas, uma vez que são eleitas, mas ilegítimas na medida em que não se inscrevem dentro do quadro democrático. Querem impor a sua visão sobre a família, a ética individual e pública para toda a sociedade brasileira. O correto seria eles terem o direito de apresentar a própria opinião para ser debatida e confrontada com outras opiniões, respeitando as decisões coletivas. Mas eles querem impor a opinião deles como a única verdadeira e difamar e combater pelos púlpitos qualquer outra alternativa. Acho que devemos atacá-los pelo lado da Constituição e da democracia e enquadrá-los dentro da democracia, pois são pessoas autoritárias e destruidoras de qualquer tipo de consenso que nasce do diálogo”.

Sobre o governo Dilma

“Acho que a campanha da Dilma foi mal conduzida. Tudo aquilo que ela combatia, que seriam medidas neoliberais, a primeira coisa que fez, sem discutir com o povo brasileiro, com os sindicatos e sua base de apoio, foi aplicá-las diretamente. Neste sentido, ela decepcionou a todos nós que apoiamos a sua candidatura e o povo é suficientemente inteligente para perceber que houve um engodo. Por outro lado, cabe reconhecer que há uma crise que não é só brasileira, mas mundial, que afeta gravemente países como Grécia, Itália, Portugal e Espanha, com níveis de desemprego e de dissolução social muito mais graves do que os nossos”.

“Então, estamos diante de um problema sistêmico, não só brasileiro, mas aqui ele ganhou conotações muito específicas porque o PT tinha um projeto progressista de centro-esquerda, de apoio aos movimentos sociais, comprometido a não tocar em direitos dos trabalhadores e pensionistas. E o governo acabou tomando medidas que considero injustas, pois colocou a carga principal da crise sobre os ombros os trabalhadores e pensionistas, e não em cima dos grandes capitais, das grandes heranças e do sistema financeiro dos bancos. Estes setores foram poupadas e isso eu acho uma injustiça e uma indignidade”.

“Então, o povo, com justiça, fica desolado. A gente sabe que a Dilma é ética e não cometeu malfeitos, mas tomou medidas na direção contrária do que pregava. Então é uma contradição visível que não requer muita análise para mostrar. Ela dizia que nem que a vaca tussa iria mexer em direitos, e a primeira coisa que fez foi mexer no seguro desemprego e nas pensões. Houve uma quebra da confiança e, em política, o que conta de verdade é a confiança. Agora, se ela tiver algum sucesso e conseguir não penalizar o país demasiadamente em termos de desemprego e retrocesso no processo produtivo, ela poderá voltar a ganhar confiança, mas é uma conquista muito difícil.”

Fonte: brasil247 + Redação