PRPB Cach. Índios

“A gente quer que o transporte escolar pegue as crianças meia hora mais tarde”, foi o pedido das mães que moram no sítio Empoeiras. Diante da nossa surpresa pelo pedido inusitado, elas explicaram: “é que para estar no ponto do ônibus às 6 da manhã, as crianças têm que levantar às 5h e tomar banho com o corpinho ainda quente, recém saído da cama. Às vezes, nem dá tempo delas tomarem o café, porque o ônibus sai às seis em ponto e se elas se atrasarem, perdem o dia de aula”. Como a escola só abre os portões às 7h, as crianças ficam do lado de fora durante muito tempo, sem supervisão de adultos, o que gera uma preocupação adicional. As mães fizeram parte do público, de aproximadamente 300 pessoas, que compareceu à audiência do Projeto Ministério Público pela Educação (MPEduc) em Cachoeira dos Índios (PB), no Sertão do estado, realizada em 23 de abril de 2015.

A audiência foi transmitida ao vivo, durante três horas, para todo o município, pela Rádio Tropical FM. Membros do Ministério Público Federal, Ministério Público da Paraíba e gestores municipais ouviram reivindicações de alunos, pais de alunos, professores e cidadãos interessados na melhoria da qualidade da educação na cidade. De início, o procurador da República Djalma Gusmão Feitosa e a promotora de Justiça Flávia Cesarino explicaram para os presentes o que é o MPEduc. Na sequência, demonstraram com dados que o Município de Cachoeira dos Índios foi escolhido para receber o projeto por apresentar baixos índices de desenvolvimento da educação básica. “O objetivo principal dessa audiência é ouvir o que vocês têm a nos dizer sobre a educação que seus filhos recebem, para que possamos, em parceria com os gestores municipais e com a população, buscar melhor qualidade para a educação no município”, informou o procurador. Vamos lutar em conjunto para superar as dificuldades que existem no município”, enfatizou a promotora.

Após a apresentação do projeto, a palavra foi passada aos presentes e várias pessoas usaram o microfone. Uns disseram estar satisfeitos com a forma como a gestão municipal vem tratando da educação, enquanto outros apresentaram demandas como a necessidade de aprimorar a classificação da faixa etária para evitar situação de disparidade em que uma criança de 10 anos estuda com adolescentes de 14 e 15 anos. A mãe de dois alunos que moram na zona rural, a quatro quilômetros do município, contou que seus filhos precisam caminhar dois quilômetros até o ponto em que pegam o ônibus escolar para estudar na cidade. Um estudante abordou a greve dos professores e a demissão de professores da rede estadual. “Não sou contra a greve dos professores, mas os alunos estão prejudicados com quase um mês sem aula. Será que isso não interfere no Ideb?”, perguntou.

A demanda de maior destaque, abordada por vários professores que se manifestaram, foi a ausência do acompanhamento dos pais na educação dos filhos, os quais estariam delegando toda responsabilidade pela educação à escola. Uma professora de matemática questionou a forma como é produzido e divulgado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Segundo afirmou, “os dados não são suficientes para caracterizar a realidade do município” e alertou: “se nós vamos pensar em elaborar políticas públicas a partir desses dados, a gente tem que usar dados válidos, porque para aplicar dinheiro público temos que partir de bases sólidas, ou vai ser dinheiro [jogado] pelo ralo mais uma vez”. Diversos professores da rede municipal estavam usando camisetas em protesto contra a retirada de 20% dos salários, ocorrida em 2013, e enfatizaram que a valorização dos professores é um ponto crucial para a melhoria da educação no município.

Melhorias já percebidas – Um ponto em comum, abordado pelas pessoas que pediram a palavra, foi a melhoria na estrutura das escolas, com destaque para a Escola Municipal Maria Cândido de Oliveira, onde foi realizada a audiência pública. A escola ganhou novas salas e, há cerca de um mês, todas as salas de aula foram climatizadas. O resultado, segundo a diretora da escola, foi imediatamente percebido no comportamento dos alunos. “Por causa do calor, os alunos saíam bastante da sala de aula. Depois que foram instalados os aparelhos de ar condicionado, todos querem ficar na sala”, comemorou.

A escola também pratica a inclusão dos alunos pessoas com deficiência. São cerca de 20 estudantes com deficiências como Síndrome de Down, Síndrome de Apert, surdez, que dividem o mesmo espaço com os demais estudantes. “Percebemos que essa inclusão é realmente benéfica para o desenvolvimento do aluno pessoa com deficiência, mas ainda sentimos falta de um monitor para ajudá-los em sala de aula, já que o professor sozinho tem dificuldades para cuidar de todos os alunos e ainda dar o atendimento mais demorado que esse tipo de aluno precisa”, observou uma professora da escola.

Evasão escolar – Já a escola estadual, a única de nível médio no município, enfrenta problemas na estrutura física, segundo relato de um dos professores. “A escola fica no centro da cidade, temos espaço físico para construir, já apelamos, já fizemos manifestação com alunos, mas sem sucesso. A gente pede que o Ministério Público nos ajude a conseguir a construção da quadra, de refeitório, de laboratórios. A escola não tem condições de funcionar e estamos tapando o sol com a peneira”, lamentou. O professor também chamou atenção dos presentes para o problema da evasão escolar entre os alunos do nível médio como fator que incide diretamente no baixo Ideb da escola.

Ocorre que, nos primeiros meses do ano, os jovens são levados por “equipes” para o estado do Pará, onde chegam a ficar por até dois meses vendendo confecções. “É triste, é lamentável, mas é a realidade do nosso município. Uma série de fatores reflete no Ideb do ensino médio e o principal deles é a evasão pela falta de emprego para os jovens no município, que preferem deixar de estudar e vão para o Pará vender roupas”, lamentou. Distante 502 quilômetros da capital, o município de Cachoeira dos Índios está localizado na fronteira da Paraíba com o Ceará e fica a 22 horas de viagem de Belém, capital do Pará.

Próximas etapas – O passo seguinte do projeto MPEduc no município será a visitação das escolas com a finalidade de realizar registros fotográficos das condições estruturais. A visitação será feita tanto pelos representantes do Ministério Público Federal e Ministério Público da Paraíba quanto por grupos de voluntários da comunidade. Depois haverá a consolidação de respostas de questionários e informações obtidas na audiência e nas visitações para gerar um diagnóstico que servirá de base para a emissão de recomendações ao município. Após o prazo estipulado para o cumprimento das recomendações, nova audiência será realizada com a comunidade para apresentar as providências adotadas e o resultado obtido.

Um ano de MPEduc – A audiência inicial do MPEduc no Município de Condado foi realizada em 11 de abril de 2015, mês em que o programa completou um ano de existência. O MPEduc já está presente em 180 municípios, distribuídos entre 26 unidades da federação e o Distrito Federal. O projeto é executado em parceria entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público dos Estados e visa estabelecer o direito à educação básica de qualidade para os brasileiros.